O direito à inclusão
A realidade do deficiente
“Todos temos necessidades e anseios. Queremos amar, ser amados. Queremos saúde, uma casa e uma família que nos ampare. Queremos amigos que sejam testemunhas de nossas vidas e partilhem as deles conosco. Queremos uma profissão que nos dê identidade. Queremos ir ao cinema, ao parque, andar despretensiosamente pela calçada. Todos desejam uma vida digna e plena. Comigo é assim, com você não acontece o mesmo? Basta um par de asas para que qualquer pessoa possa voar!". O texto de Mara Gabrilli, secretária municipal de pessoa com deficiência, tetraplégica há 15 anos, traduz o sentimento de milhares de deficientes. A conquista por espaço na sociedade é uma realidade gradativa que se encontra ainda num processo informativo e de conscientização.
A oportunidade de inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho tornou-se as asas necessárias para que o vôo acontecesse, mas ainda há muito que se fazer por parte do governo, empresas, sociedade e pelos próprios deficientes, para que essa inclusão seja efetiva.
A iniciativa pública
A lei da previdência, mais conhecida como lei de cotas, estabeleceu que as empresas com mais de 100 funcionários precisam contratar profissionais com deficiência, obedecendo a porcentagem de 2% a 5% de acordo com o número de funcionários.
Até 2004, deficiências leves eram contempladas, mas hoje entram na cota apenas deficiências mais severas. Para a advogada, e coordenadora do comitê de legislação e emprego do instituto amigos do emprego, Maria Lucia Benhame, apesar dos índices de contratação terem aumentado de 14 mil em 2004 para 100 mil em 2008, o novo decreto trouxe novos entraves para a eficácia da inclusão. "O decreto anterior era mais abrangente no sentido de incluir deficientes não tão graves. O problema é que diminuir a inserção porque o número deles é muito menor do que as outras, colocou num limbo pessoas que não entram na cota e que não são admitidas no exame admissional. E ao mesmo tempo dificultou o trabalho das empresas porque o número de vagas é muito reduzido. É muito difícil você conseguir pessoas com essas condições, mesmo que você queira treinar e capacitar as pessoas."
Segundo o censo do IBGE de 2000 existem 24,6 milhões de pessoas com alguma deficiência no Brasil. Sendo que 48,1% são deficientes visuais, 27,1 são deficientes físicos, 16,6% têm deficiência intelectual e 8,2% são deficientes auditivos. Com dados do Ministério do Trabalho, 64 mil pessoas com deficiência foram inseridas no mercado de trabalho pela fiscalização. Se levarmos em conta a realidade do deficiente na sociedade até pouco tempo na qual essas pessoas viviam enclausuradas, consideradas incapacitadas e sem muitas possibilidades de convivência, os números de contratação apresentado saltarão aos olhos desproporcionalmente.
A advogada contesta os índices. "Nem Ministério Público do Trabalho, nem magistratura, nem DRT, nem empresa, nem as instituições. Ninguém sabe quantos dos deficientes inseridos no decreto existem no Brasil inteiro em idade para trabalhar que possam até mesmo ser capacitados.
A aceitação da inclusão de deficientes nas empresas como responsabilidade social, ainda é uma barreira cultural a ser ultrapassada. Muitas procuram empresas especializadas com a única ou maior preocupação em cumprir as cotas. Disseminar a cultura inclusiva nas empresas ainda é um trabalho de conscientização muito além da lei estabelecida.
“Quando a empresa entende a cultura inclusiva, entende o objetivo da lei de cotas que é transformar uma realidade social, ela consegue cumprir a cota como uma conseqüência”, afirma Carolina Ignarra, consultora de inclusão para deficientes no mercado de trabalho, que é educadora física e sofreu um acidente de moto em setembro de 2001, ficando paraplégica. “Acho que a maior dificuldade é não entender todo o processo de inclusão e ficar um jogando a responsabilidade para o outro”.
Ela acaba de lançar seu livro sobre inclusão e diz ter que lidar com o preconceito e desconhecimento de algumas empresas. Conta que certa vez uma empresária lhe procurou para indicação de profissionais deficientes no cumprimento das cotas e lhe pediu pessoas com deficiências leves. Surpresa com o pedido, perguntou o que era a tal deficiência leve. A resposta: “Aquela que não atrapalha”. Perplexa, Carolina perguntou a si mesma se também atrapalhava. “Nós sempre falamos para os nossos clientes: você não tem que contratar a deficiência, você tem que contratar a pessoa. Se você precisa de um pintor de parede, então vai contratar um pintor de parede. “Não um cego, um cadeirante ou um amputado”.
Carolina Ignarra, cadeirante e defensora da inclusão
A família também tem sua parte de responsabilidade nesse processo de inclusão e muitas vezes atrapalham ao esconder nossos deficientes num mundo sem perspectivas. Sentem-se seguras ao receber uma pensão vitalícia do governo que garanta a sobrevivência de seu deficiente, deixando-o dentro de casa e não permitindo que trabalhe. Muitas também os tratam como incapazes. “A postura da família também faz parte da cultura inclusiva e até de políticas públicas.”
O olhar paternalista do governo brasileiro através de leis que beneficiam os deficientes, também dificulta a mudança da visão da sociedade. Um exemplo claro é a isenção de pagamento do transporte público. “Quando a gente vai pegar esse direito não precisa atestar carência e sim deficiência. Então, o país me diz que eu sou coitadinha. Olha como é difícil mudar uma cultura com políticas públicas que dão regalia”, diz Carolina.
A iniciativa privada
Associações, instituições e ONG´s, representam um papel importante para a inclusão, amenizando o problema da falta de qualificação de muitos deficientes, através da capacitação.
Com um trabalho completo de avaliação, cursos e acompanhamento nas empresas, avaliando as necessidades de cada profissional, a AVAPE – ASSOCIAÇÃO PARA VALORIZAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - oferece oportunidade de uma vida profissional a muitos deficientes.
Curso profissionalizando do AVAPE
Visitar os postos de trabalhos, identificar áreas possíveis dentro de uma empresa para receber o colaborador deficiente e analisar o tipo de deficiência mais adequada para cada área e cada atividade, além da viabilidade do espaço nas empresas, são questões essenciais para uma inclusão com qualidade. “Precisa contemplar tudo isso para que a pessoa possa exercer seu trabalho de maneira plena”, diz a psicóloga responsável pela seleção de deficientes na associação, Fernanda Mello. “Tem melhorado bastante, mas ainda tem alguns entraves nesse processo. Por um lado, o desconhecimento das empresas, que ainda resistem a inclusão e por outro a busca de candidatos adequados para a exigência que nos são solicitadas.”
Deficientes se preparam para encarar o mercado de trabalho
Temos que admitir a grande conquista dos deficientes na sociedade através da Lei de Cotas. A partir dela, um número considerável de deficientes pôde sonhar com novas possibilidades de vida e o assunto tomou-se pela grande mídia. Mas não podemos esquecer uma batalha invisível e poderosa que está enraizada em nossa cultura. Reflexos de uma época em que se ter um deficiente por perto era considerado pecado e vergonhoso. ”Acho que não vamos demorar mais 500 anos, mas ainda estamos num processo informativo”, afirma Carolina.
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