O direito a uma segunda chance




De volta à escola
O convívio com os alunos em liberdade assistida

Segunda-feira, 31 de maio. Chego à porta do Colégio Caetano de Campos às seis e meia da manhã. Fui informado na sexta-feira anterior que a aula não começaria antes de sete e dez, mas prefiro me adiantar para combinar com os professores os últimos detalhes de minha “transferência”. Há quatro anos eu terminei o Ensino Médio, mas após muita insistência consegui convencer a coordenação que só quero assistir a um dia de aula em uma escola que atende alunos em liberdade assistida, garanti que não faria gravações ou tiraria fotos e que conversaria com os jovens apenas o necessário para não causar estranhezas, prometi também ocultar todos os nomes de alunos e professores e certifiquei-os do propósito puramente acadêmico de minha visita.
Entro na sala às sete horas e alguns alunos já estão em seus lugares. A maioria, no entanto, ainda nem chegou à escola. Pontualmente às sete e dez, a professora de filosofia entra na sala e, após acomodar seus pertences na mesa retangular em frente à lousa, ela me apresenta pelo meu nome verdadeiro, como um aluno transferido da Escola Estadual Doutor Murtinho Nobre (onde de fato estudei do primeiro ao terceiro ano do Ensino Médio). Meio desconcertado pela apresentação não combinada aceno com um sorriso amarelo no rosto.
Enquanto aguarda a chegada de pelo menos mais alguns alunos, a professora deixa que algum tempo de sua aula transcorra sem qualquer atividade. Os jovens aproveitam o tempo para contar uns aos outros as novidades do final de semana.
Após cerca de dez minutos, com pouco mais da metade das carteiras ocupadas, a professora se levanta e começa a falar sobre a origem do universo para Tales de Mileto. Notando a falta de interesse ela elabora a pergunta: E para vocês qual a origem de todas as coisas? A pergunta surte efeito e um comichão parece percorrer a sala, dezenas de vozes tentam se fazer ouvir ao mesmo tempo e no fundo da sala uma se destaca: “Não interessa a origem fessora, interessa o que a gente faz com o mundo que a gente tem”.
Às oito horas, uma sirene estridente avisa que o tempo da aula acabou, recolho meu caderno e me encaminho para a sala de matemática. Aqui, o interesse é ainda menor do que nos conceitos de criação do filósofo pré-socrático. O professor fala para um diminuto grupo de alunos acomodados nas primeiras fileiras enquanto rabisca fórmulas no quadro. Os demais tratam de fazer piada de sua careca e jogar pra lá e pra cá uma bola improvisada com papel e fita adesiva.
Um dos conceitos fundamentais da liberdade assistida parece estar sendo mantido: o sigilo. Jovens são sempre jovens e, pelo menos para mim, é impossível diferenciar um menor infrator do palhaço da turma.


Entrada da Escola Estadual Caetano de Campos

Liberdade assistida
A banalização social e o conceito de culpabilidade por vulnerabilidade

A Liberdade assistida é uma de três modalidades sócio-educativas aplicadas a menores infratores.
A mais comum e mais conhecida é a privação de liberdade, na qual o jovem fica internado em uma das unidades da Fundação CASA; além dessa, há a chamada semi-liberdade, na qual o jovem fica fora da unidade durante o dia, mas retorna à noite; a liberdade assistida é, para muitos especialistas, a mais eficiente, já que é com essa medida que o jovem pode esperar o resgate de seus vínculos familiares, o retorno, permanência e sucesso escolar, a habilitação profissional e o ingresso no mercado de trabalho e, por fim, o fortalecimento dos laços comunitários, objetivando a sua reinserção social.
Em São Paulo, há 6.480 adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas: 3100 estão em liberdade assistida e 3380 em prestação de serviços à comunidade.
Para que possa permanecer em liberdade assistida é necessário ser menor de idade e ter cometido o primeiro ato infracional, em geral tido como leve, tal como furto, roubo simples, lesão corporal, porte ou tráfico de drogas.
Segundo a professora Isabela Puig, especialista em banalização social, o que deve ser defendido é a culpabilidade por vulnerabilidade, ou seja, a sociedade deve assumir sua responsabilidade como co-autora do delito e oferecer recursos para que o menor infrator não incorra no mesmo erro. “Não basta punir mais, é necessário punir melhor”.


Professora Isabela Puig, especialista em banalização social

Os programas de liberdade assistida demonstram sua eficiência através de dados quantitativos: para jovens em liberdade assistida, o nível de reincidência é de 20%, número que corresponde à metade do índice da Fundação CASA. “O que as pessoas devem ter em mente é que a reincidência do menor interno é muito maior do que a do jovem em liberdade assistida, então é um programa que, por mais que ainda esteja se desenvolvendo, dá certo”, finaliza Isabela Puig.

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